Consulta junto ao IDISA sobre a obrigatoriedade ou não de apresentação de Manual de Boas Práticas e Procedimento Operacional Padrão para estabelecimentos de médio risco e/ou para MEI

03/Mai/2024

Por Fernando Mussa Abujamra Aith


NOTA TÉCNICA IDISA N° 003/2024

Consulente: Secretaria Municipal de Saúde de Iracemápolis/SP

Assunto: Consulta junto ao IDISA sobre a obrigatoriedade ou não de apresentação de Manual de Boas Práticas e Procedimento Operacional Padrão para estabelecimentos de médio risco e/ou para MEI.

**1- Objetivo da Consulta **

A Diretoria de Vigilância Sanitária da Prefeitura Municipal de Iracemápolis solicita Parecer Técnico do IDISA “com relação à obrigatoriedade ou não de apresentação de Manual de Boas Práticas e Procedimento Operacional Padrão para estabelecimentos de médio risco e/ou para MEI”.

Em outras palavras, a consulta formulada questiona se um Microempreendedor Individual (MEI) ou um estabelecimento de médio risco para a saúde possuem obrigação de apresentar às autoridades sanitárias competentes dois documentos fundamentais para a segurança sanitária de estabelecimentos de interesse à saúde, previstos como obrigatórios pela legislação sanitária vigente no Município para todos os estabelecimentos de interesse à saúde sujeitos à vigilância sanitária: o Manual de Boas Práticas e o Procedimento Operacional Padrão.

Especificada a natureza da consulta formulada, a presente Nota Técnica passa a analisar a legislação aplicável para ao final apresentar suas conclusões objetivas sobre a questão formulada.

2 - Do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar 123/006)

No que se refere ao Microempreendedor Individual (MEI), esta figura jurídica está prevista na Lei Complementar (LCP) 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Originalmente o MEI não constava da LCP 123/2006, mas alterações posteriores relevantes (LCP 128/2008, LCP 147/2014 e LCP 188/2021), inseriram em seus dispositivos a figura do MEI, estabelecendo as regras gerais que devem ser seguidas por este novo tipo de microempresa.

A lei fixa já em seu Art. 1º, expressamente, os benefícios que as microempresas e as empresas de pequeno porte passam a usufruir:

“Art. 1º. Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;

III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.

IV - ao cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)”.

Com base neste dispositivo, fica evidente, desde seu início, que as micro e pequenas empresas não estão isentas de cumprimento de regras sanitárias. Não há, em nenhum dispositivo do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno porte, qualquer regra que flexibilize a necessidade destas empresas observarem integralmente a legislação sanitária vigente durante o seu funcionamento. O que há é alguma flexibilização no que se refere à concessão de registro ou licença de funcionamento. Não há flexibilização sobre os deveres sanitários dessas empresas durante o funcionamento das mesmas.

O Estatuto exige do Poder Público, tão somente, a simplificação de procedimentos de fiscalização, quando e se possível. Também prevê a isenção de taxas e outros valores de fiscalização sanitária, tal como se pode depreender dos seguintes dispositivos:

“Art. 4o Na elaboração de normas de sua competência, os órgãos e entidades envolvidos na abertura e fechamento de empresas, dos 3 (três) âmbitos de governo, deverão considerar a unicidade do processo de registro e de legalização de empresários e de pessoas jurídicas, para tanto devendo articular as competências próprias com aquelas dos demais membros, e buscar, em conjunto, compatibilizar e integrar procedimentos, de modo a evitar a duplicidade de exigências e garantir a linearidade do processo, da perspectiva do usuário.

§ 1o O processo de abertura, registro, alteração e baixa da microempresa e empresa de pequeno porte, bem como qualquer exigência para o início de seu funcionamento, deverão ter trâmite especial e simplificado, preferencialmente eletrônico, opcional para o empreendedor, observado o seguinte:

(Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

I - poderão ser dispensados o uso da firma, com a respectiva assinatura autógrafa, o capital, requerimentos, demais assinaturas, informações relativas ao estado civil e regime de bens, bem como remessa de documentos, na forma estabelecida pelo CGSIM; e

§ 3o Ressalvado o disposto nesta Lei Complementar, ficam reduzidos a 0 (zero) todos os custos, inclusive prévios, relativos à abertura, à inscrição, ao registro, ao funcionamento, ao alvará, à licença, ao cadastro, às alterações e procedimentos de baixa e encerramento e aos demais itens relativos ao Microempreendedor Individual, incluindo os valores referentes a taxas, a emolumentos e a demais contribuições relativas aos órgãos de registro, de licenciamento, sindicais, de regulamentação, de anotação de responsabilidade técnica, de vistoria e de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas.

§ 3o-A. O agricultor familiar, definido conforme a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, e identificado pela Declaração de Aptidão ao Pronaf - DAP física ou jurídica, bem como o MEI e o empreendedor de economia solidária ficam isentos de taxas e outros valores relativos à fiscalização da vigilância sanitária.

Vale destacar ainda o seguinte dispositivo, por ser diretamente aplicável à consulta ora formulada:

Art. 6o Os requisitos de segurança sanitária, metrologia, controle ambiental e prevenção contra incêndios, para os fins de registro e legalização de empresários e pessoas jurídicas, deverão ser simplificados, racionalizados e uniformizados pelos órgãos envolvidos na abertura e fechamento de empresas, no âmbito de suas competências.

§ 1o Os órgãos e entidades envolvidos na abertura e fechamento de empresas que sejam responsáveis pela emissão de licenças e autorizações de funcionamento somente realizarão vistorias após o início de operação do estabelecimento, quando a atividade, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento.

§ 2o Os órgãos e entidades competentes definirão, em 6 (seis) meses, contados da publicação desta Lei Complementar, as atividades cujo grau de risco seja considerado alto e que exigirão vistoria prévia.

Em outras palavras, os requisitos sanitários devem ser “simplificados”, não eliminados ou suprimidos. Tampouco há isenção aos MEIs com relação ao devido respeito às regras sanitárias vigentes.

Como se vê no § 1o do Art. 6º, a própria lei que instituiu o Estatuto do MEI prevê a possibilidade de vistorias após o início de operação do estabelecimento quando comportar grau de risco compatível com esse procedimento. Ou seja, uma vez classificada a empresa como grau de risco médio, há autorização legal expressa para que vistorias e exigências sanitárias sejam feitas a qualquer momento após o início do funcionamento da empresa.

Apenas a vistoria prévia ao registro é que estará limitada para as MEI e para empresas de risco médio, estando autorizada vistoria prévia somente para os estabelecimentos classificados como grau de risco alto.

Também vale citar o Art. 7o do Estatuto citado, que prevê a emissão de alvará de funcionamento provisório para empresas de risco médio e baixo, permitindo o início de operação do estabelecimento imediatamente após o ato de registro. Trata-se de procedimento que isenta o estabelecimento, tão somente, de inspeção prévia ao início de funcionamento. Este dispositivo não isenta a MEI de inspeções posteriores ao início de funcionamento, para se fiscalizar o devido respeito à legislação sanitária vigente. Vale lembrar que empresas de alto risco podem estar sujeitas à exigência de fiscalização prévia também, além das necessárias inspeções ordinárias após o início do funcionamento.

Em síntese:
a) Empresas com grau de risco alto, vistoria prévia ao registro é permitida;
b) Empresas com grau de risco médio ou baixo, as licenças de funcionamento devem ser concedidas sem vistoria prévia, mas vistorias podem ser feitas após o início do funcionamento das empresas, e estas deverão observar todas as regras sanitárias vigentes
c) Regras sanitárias devem ser simplificadas tão somente na medida em que não sejam necessárias para a garantia da segurança sanitária.
c) Se o Município entende, por sua legislação, que a apresentação de Manual de Boas Práticas e de Procedimento Operacional Padrão é essencial para o funcionamento do MEI ou de empresa de médio risco, tais documentos podem e devem, sim, ser exigidos.

Trata-se de medida de segurança sanitária que deve ser adotada para a proteção da saúde pública, não cabendo ao agente público flexibilizar regra sanitária válida para todos os estabelecimentos de médio risco somente porque se trata de MEI. Embora seja MEI, a atividade é de risco sanitário e deve observar as regras sanitárias previstas, devendo ser fiscalizada para que se possa verificar seu cumprimento adequado.

2 - Da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019)

A Lei 13.874/2019, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica, também traz alguns dispositivos que se aplicam à consulta formulada e que, da mesma forma, não isentam os estabelecimentos de médio risco do dever de observar as regras sanitárias previstas na legislação municipal vigente.

Dispõe o Art. 3º da Lei da Liberdade Econômica:

Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

Como se vê, esse artigo trata apenas de empresas que desenvolvem atividades de baixo risco, e ainda assim refere-se tão somente à liberação da atividade econômica (registro, licença ou autorização de funcionamento), não abrangendo e nem alterando as regras referentes às empresas de médio ou alto risco, ou ainda as regras referentes ao necessário controle sanitário que deve ser feito após o início do funcionamento da empresa.

O único óbice encontrado na legislação atual com relação à exigência de Manual de Boas Práticas e de POP dos MEIs ou dos estabelecimentos de médio risco é com relação à lavratura do auto de infração decorrente da não observância dos requisitos legais exigidos.

Quando constatada a infração sanitária (ausência do Manual ou de POP, p.e.), a Lei da Liberdade Econônica exige que a lavratura do auto de infração ocorra somente em uma segunda visita. É o que se depreende o Art. 4º:

Art. 4º-A É dever da administração pública e das demais entidades que se sujeitam a esta Lei, na aplicação da ordenação pública sobre atividades econômicas privadas: (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)
**
II - observar o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração decorrentes do exercício de atividade considerada de baixo ou médio risco**

Estas são as previsões legais que incidem sobre a consulta formulada, pelo que passo às considerações finais.

4 - Considerações Finais

Embora tenhamos recebido poucos documentos e informações que pudessem melhor ilustrar a consulta formulada, a legislação sanitária vigente não isenta MEIs ou estabelecimentos de médio risco de observarem as regras sanitárias habitualmente impostas ao tipo de atividade praticada, incluindo, se for o caso, a exigência de Manual de Boas Práticas e de Procedimento Operacional Padrão. A única restrição encontrada é relativa à lavratura do auto de infração que, de acordo com o Art. 4º da Lei da Liberdade Econômica, somente poderá ser realizada em uma segunda visita.

Assim, a Administração Pública Municipal está autorizada a exigir Manual de Boas Práticas e POP de MEI ou de estabelecimento de médio risco, sempre que a legislação sanitária aplicável ao tipo de atividade fiscalizada assim o exigir.

Caso constatada infração sanitária, o auto de infração somente poderá ser lavrado em uma segunda visita. Recomenda-se, nesse sentido, que na primeira visita seja o MEI ou o estabelecimento notificado de que necessita apresentar os referidos documentos, concedendo-lhe prazo razoável para que providencie os documentos ou ajustes necessários. Passado o prazo previsto na notificação da primeira visita, poderá a autoridade sanitária, em segunda inspeção, se persistir a situação infracional, lavrar o devido auto de infração, nos termos da legislação sanitária vigente.
É o que submetemos à consideração do senhor Secretário Municipal de Saúde.

Em, 03 de maio de 2024

Fernando Mussa Abujamra Aith
OAB/SP 143.962


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